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A Chuva nos Espelhos

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Editora Alma Azul
ISNB: 978-972-8989-47-7
endereço email:

a.chuva.nos.espelhos@gmail.com


MARIA AZENHA- A ESCRITA DE LUZ


Temos necessidade que a água e o fogo nos purifiquem, nós, os seres últimos e mais impuros desta humilíssima terra. Temos necessidade que a sabedoria, a força e a beleza celestes fecundem os nossos corpos terrenos, frágeis e imperfeitos. Nós, espelhos baços do nosso querer ser, temos necessidade da chuva, essa filha das nuvens e da tempestade que reúne em si a força purificadora do fogo e da água, para tornarmos mais límpidas as nossas almas.

“Deus envia o seu anjo com cada gota de chuva”, ensina-nos o esoterismo islâmico.

Como esse auxílio divino poderemos, como diz Maria Azenha,

“transportar o sonho de um lado para o outro

abrir com toda a força um buraco nos espelhos”.


E o poema é a chuva que transporta os nossos sonhos de um lado para o outro, que nos transporta para o outro lado do espelho à procura do sentido oculto do nosso estar aqui.

Sabemos que nos reduzimos a duas palavras: amor e morte. São estas as palavras que atravessam “a chuva nos espelhos” (assim, com minúsculas, com a humildade da grande poesia): o amor da mãe, o amor do homem, o amor do filho, o amor da amiga.

À vista da morte, o poema, o amor, é uma lamentação, uma lágrima. E, como lembra a doce Maria, “ cada lágrima é um problema insolúvel”.

Junto às lágrimas, a morte é também o problema insolúvel, aquele momento
“ no relógio em que as horas ou as perguntas ficam sem corda.”

Muito para além da explicação das coisas, de uma filosofia que nos diga o que somos, como somos e para onde vamos, a poesia de Maria Azenha, alcançando o outro lado do espelho, remete-nos para o símbolo, para o mito, para o sagrado que há em tudo o que é verdadeiramente humano. Reconhecendo que a compreensão total desse sagrado é inalcançável, Maria dá-nos os símbolos que nos permitem a aproximação ao sagrado - apenas a aproximação, porque o sagrado é intangível, invisível, indizível. Como sempre reconheceram os homens sábios, o sagrado está no céu, está no alto:

“o coração dos espelhos é alto

tão alto”


escreve Maria Azenha, expressando essa verdade eterna.

O espelho é o lugar onde nos conhecemos. A imagem do homem é-lhe dada pela água em repouso e pela luz que nela se reflecte. O espelho é umas vezes o símbolo do sol, a luz original, o elemento masculino e forte, outras o símbolo do lua, a luz reflectida, o elemento feminino e suave. Mas o espelho de Maria é um raríssimo espelho onde se encontram a força e a suavidade. Como ela escreve no poema intitulado “crianças espelhos”

“ quando crescer vou ser a lua”.

O espelho é também o Homem conhecendo-se a si próprio, porque, como dizem os Anais dos monges Zen da dinastia T´ang”, “ O homem utiliza o homem como espelho.” A poesia de Maria Azenha é o espelho de Maria purificado pela chuva, porque ela guarda a sua “vida em livros de poemas”.

Em “a chuva nos espelhos” Maria dá-nos o melhor espelho que podemos encontrar no coração humano: uma escrita de luz como oferenda.


Henrique Dória

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