Ao cuidar de um jardim, você aumenta o contato com a natureza e ainda faz brotar paixão e responsabilidade em sua vida
por Priscilla Santos
Lembra aquele método infalível que todo mundo aprendeu para entender o milagre da vida de uma planta? Você selecionava a dedo um grão de feijão e o plantava num chumaço de algodão. Pronto. Começava, então, a espera. Dia a dia, acompanhando a saga do grão que escapou de ir para a panela e foi cumprir sua missão de gerar mais feijõezinhos. Quando o caule começava a despontar do chumaço era uma alegria de fazer gosto até no João, aquele do pé de feijão da clássica história infantil. Depois, vinha a primeira folha e mais outra e outra. Os mais sortudos e cuidadosos viram nascer até vagens para depois devorá-las com alegria no almoço.
Nessa brincadeira a gente aprende muito sobre as plantas. E que tal continuar o hábito depois de crescidos e descobrir que, com a jardinagem, também aprendemos muito sobre nós mesmos? Mas deixe o algodão de lado. Agora você pode, e deve, meter a mão na terra, como já faziam os egípcios por volta de 6000 a.C, quando cultivavam as evidências mais antigas que se tem de jardins. Uma longa história, que começa quando o homem passa a produzir alimentos em pomares e decide proteger a área, usando-a também como espaço de lazer. Já o jardim ornamental floresce, pela primeira vez, com os persas. Eles desejavam materializar o Éden na Terra, com plantas que seduzem pelas formas, cores, texturas e perfumes. Pouco a pouco, o jardim das delícias alcançou novas paragens, inclusive no Ocidente, onde foi introduzido pelos romanos.
No Brasil, os jardins demoraram a chegar. Nem mesmo a expansão marítima foi capaz de trazer esse costume milenar para terras tupiniquins. Se os índios tinham a natureza toda, para que iriam querer um jardim? “Os jardins só chegaram ao Brasil com dom João VI, no início do século XIX. Ele criou o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, um projeto neoclássico executado por artistas franceses”, diz o professor de história dos jardins da Escola Municipal de Paisagismo, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, Marco Antônio Braga. E cabe a nós continuar essa trajetória que atravessou os tempos e os estilos na incessante busca de um maior contato com a natureza.
Jardim de afetos
A primeira vantagem de cuidar de um jardim é ampliar a relação com o mundo natural. Nem é preciso dizer que isso traz um grande bem-estar. Seja no quintal de casa, na floreira do escritório, no canteiro da praça ou no canto do parque. O prazer de mexer com as plantas começa pelo fato de colocar você para fora de casa, bem ali, entre o céu e a terra, sujeito a pegar chuva, corar no sol e sentir uma brisa no rosto, como um presente depois do exercício que é regar aqui e podar acolá. Exercício, sim, de até doer os músculos se a carga for de muitas horas. Mas aquele dolorido que compensa quando se abre a primeira flor para lembrâ-lo que tudo tem seu tempo.
“Não adianta querer correr, a natureza tem um ritmo próprio. Tem que aprender a ter paciência para que as coisas aconteçam em seu ciclo natural. A jardinagem nos coloca de volta no ritmo da natureza, é o retorno com a terra”, diz a coordenadora de cursos da Escola Municipal de Paisagismo, em São Paulo, Sandra Stahlhauer. Assim, você desacelera e passa a notar os fenômenos mais básicos da natureza, antes despercebidos.
Pense bem: quando é que a chuva afeta você? Quando você está a pé na rua prestes a ser encharcado ou vai pegar o maior trânsito na saída do trabalho, diga a verdade. E se o tempo está muito seco? Talvez seja preciso duas marias-sem-vergonha murchas na cerca para perceber que você e elas necessitam de água em dose extra. O contrário também é válido. Se na sua cidade está fazendo um baita calor e você está quase derretendo, por que cargas d’água suas plantas, que são seres vivos como todos nós, também não estariam mortas de sede?
Sim, cuidar de plantas dá trabalho. Mas o bom é que até esse trabalho dá prazer, por mais árduo que seja. A jardinagem é uma atividade que exige concentração, já que você é responsável por uma vida e tem que prestar atenção nos mínimos detalhes para garantir o bem-estar da planta. E ninguém que está ali, cuidando de uma vida, fica pensando no IPTU, na CPI, no caos do trânsito ou no terrorismo. Por conta disso, aquele momento acaba sendo só seu. Ou seja: além de ampliar o contato com a natureza, você fica mais próximo de você mesmo. É como se o mundo à sua volta parasse por instantes para você cuidar de um pedacinho da natureza, para depois contemplá-la. Aproveitar a sombra de uma árvore frondosa, que era apenas uma muda, comer uma frutinha que caiu do pé ou simplesmente apreciar a beleza de uma flor recém-aberta. Quer coisa melhor que perfume de damada- noite e cheiro de terra molhada? E, para isso,nada de ser avarento.Um jardim demanda doação,um pouquinho que seja. Parar de pensar só em si e pensar no outro. Ou pelo menos pensar em si e lembrar do outro. É mais ou menos como ter um animal de estimação ou, guardadas as devidas proporções, um filho.
Diz o ditado que se você conseguir cuidar direitinho por uma semana de uma samambaia e de um cachorro estará pronto para ter um filho.A bióloga Assucena Tupiassu, que carrega esse sonoro nome de flor, recomenda uma camélia, pelo menos, pois samambaia é muito fácil de cuidar. E assim como A recompensa vem quando a planta floresce e fica toda linda, para você exercer seu lado coruja filhos, plantas também devem ser muito bem tratadas, mas nunca mimadas. E o que significa mimar uma planta? Dar água ou adubo demais, por exemplo, pode até matar a coitadinha.“Pais superprotetores criam filhos sem imunidade”, diz Assucena. Fica o conselho – para a prole humana e a vegetal.
Toma que a flor é tua! Cuidar de verdade é ficar atento se a planta precisa de água (colocando o dedo na terra dá para ver se ela está úmida ou seca), se há outra planta invadindo o espaço, se há muita poeira. A recompensa vem quando a danada floresce e fica lá, linda, para você exercer seu lado mãe-coruja. Afinal, ninguém fica imune aos encantos de um amor-perfeito, um copo-de-leite, cravo, margarida, chuva-de-ouro ou girassol bem cuidado. Até a comigoninguém- pode fica toda prosa na porta de casa, quando esbanja saúde.
E já que jogamos o filho no seu colo, vamos pelo menos dar o beabá da criação. Se você decidiu ter um jardim, o primeiro passo é escolher as espécies das plantas. Leve em consideração o ambiente onde cada uma vai ficar. Há três bons motivos para a escolha.
Primeiro: você viu a planta em algum lugar. Pois então pense: como era a terra? Batia sol? Qual o tamanho da área que a planta ocupava? Se preenchesse 2 metros na sombra, não vá inventar de levá-la para o seu canteirinho de 50 centímetros onde bate sol o dia todo. A segunda dica é pesquisar. Em bibliotecas públicas e sebos você encontra muitos livros. Por fim, vale também uma visita ao Ceasa, se houver em sua cidade. Um bate-papo com o vendedor pode render dicas valiosas sobre as mais diversas espécies. Afinal, quem vende costuma ser o produtor em pessoa.
Depois, é hora de comprar as sementes (para os mais pacientes) ou mudas (para os apressadinhos). As sementes que vêm em saquinhos, dessas que são vendidas até mesmo em supermercados, são boas opções porque já vêm tratadas contra as intempéries – como o aparecimento de fungos. Outra vantagem é que os pacotes costumam vir com informações sobre prazo de validade, época para o plantio, número de horas diárias de sol, freqüência para aguar e percentual de germinação, essencial para calcular o espaço que as plantas vão ocupar. Se 95% das sementes que você jogar na terra virarem planta, já sabe, será preciso uma boa beirada do canteiro.
Por falar em época de plantio, existe alguma melhor? Sim, mas varia de espécie para espécie. De modo geral, diz-se que os bons meses vão de setembro a abril. Quanto mais perto da primavera, melhor – quando chegar o inverno, a planta terá crescido o suficiente para se defender do frio e da seca.
Antes de jogar as sementes na terra, é preciso adubá-la.Você pode utilizar restos de folhas secas, inclusive aquelas que estão na cozinha: alface, couve, manjericão. Outra opção é passar numa pizzaria de forno à lenha e pedir as cinzas da madeira. Você pode ainda comprar húmus de minhoca em casas de jardinagem. Melhor ainda é ter minhocas – além de produzirem húmus, elas revolvem a terra. Adube-a três vezes mais por ano, no início e no meio da primavera e no final do verão.
Quanto à poda, a bióloga Assucena Tupiassu é taxativa. “Serve para atender às necessidades do homem, não às das plantas.”A poda, de fato, acelera a produção de flores e frutos, além de deixar a planta do tamanho ideal para o espaço. E qual a vantagem para a planta? “Nenhuma. Se não fosse podada, ela continuaria seu ciclo de vida natural e produziria a quantidade de flores e frutos necessária à procriação da espécie”, diz. A bióloga Sandra Stahlhauer dá outro alerta.“Tem planta que não pode ser podada, fica confusa e desregula seu ciclo natural, como a cerejeira japonesa.” Aí, o tiro sai pela culatra.Ao invés de ficar bonita, ela fica é feia.Mas e se a planta crescer demais, começar a tomar o espaço das outras ou invadir a garagem? Procure saber se a espécie sofre ou não com a poda. Caso não haja nenhum prejuízo, fica a critério do dono.
Depois de tudo isso, bata um papo com suas plantinhas. Não há nada comprovado cientificamente, mas tem gente que jura de pé junto que dá bronca na planta quando é preciso e ela amanhece toda lindona. É ver para crer.
Qual é a sua planta?
Oi e tchau Se você sai de manhã e só volta à noite, não tem grana para pagar um jardineiro e só pode regar uma vez por semana, aposte nas plantas que precisam de pouca água: suculenta, cacto, comigo-ninguém-pode.
Meio lá, meio cá Você bem que gosta de cuidar, mas não tem tempo para comprar sementes e mudas. Melhor ter um jardim com espécies perenes, que não sofrem com o clima e não têm um crescimento muito acelerado: palmeira, samambaia, bromélia, azaléia, violeta, rosa, lírio-da-paz, maria-semvergonha, copo-de-leite.
Marca presença Você tem tempo para cuidar, inclusive para sair para comprar sementes e mudas. Faz uma visita ao Ceasa pelo menos uma vez por mês. Pode ter espécies que precisam ser trocadas a cada um ou dois meses: tagetes, amor-perfeito, margaridinha-escura, cravo, girassol, celosia.
Colecionador Essa é sua atividade central no dia-a-dia. Se chega visita em casa você vai logo mostrando as plantas e flores com o peito estufado de orgulho: orquídeas das mais diversas espécies.
Um comentário:
Oi, Hanah, no próximo ano desejo 2007 flores pra você. Beijão.
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